
Numa fria cidade do interior de um grande Estado havia um lenhador que se dedicou toda a sua vida numa fazenda de um senhor muito rico, lá conheceu a sua esposa, lá construiu sua modesta casinha, com a autorização do dono, lá teve seu filho e foi lá o lugar onde o criou. Este lenhador era tão dedicado ao trabalho que o fazendeiro fazia de tudo para mantê-lo sobre a sua administração, o fazendeiro era extremamente grato ao lenhador bancando até mesmo os estudos do filho do lenhador no colégio que estudavam os seus próprios filhos, pela imensa satisfação o lenhador trabalhava mais e mais.
Esta aptidão do lenhador pelo trabalho enchia os olhos do fazendeiro, que se orgulhava de ter o melhor lenhador do país trabalhando em suas terras, contudo, o fazendeiro fazia questão de deixar claro que por melhor que o lenhador fosse, era apenas um lenhador.
O filho do lenhador se incomodava com a pobreza e com simplicidade dos pais, afinal, para ele o seu pai não passava de um mero serviçal e com esse tipo de convicção o rapaz foi crescendo, desdenhando do trabalho de seu pai e admirando a vida do fazendeiro.
O tempo foi passando e o lenhador já não conseguia desenvolver o seu trabalho braçal, ficava por ali na fazenda apenas transmitindo o seu conhecimento e treinando os novos lenhadores. Neste meio tempo o fazendeiro acabou falecendo e seus filhos, já médicos formados, não queriam saber daquela fazenda no interior e decidiram vender para o filho do lenhador, que gastou toda sua reserva com a fazenda, na esperança de que conseguisse transformá-la numa grande geração de receita como nos tempos áureos do antigo fazendeiro. Era para ele sua última cartada, pois, apesar de contador formado, gastava tudo que recebia em noitadas, jogatina e festas.
Ao assumir o controle da fazenda, a primeira ordem foi que o seu pai não desse mais palpites no trabalho dos lenhadores, logo em seguida mandou embora os lenhadores que lá estavam, pois, segundo ele, já eram velhos e fracos, contratou novos, rapazes cheios de energia e vitalidade.
O filho do lenhador era um rapaz bem sociável e cheio de contatos, anunciou a retomada das atividades da fazenda com uma festa que contou até com a presença do governador do Estado. Em meio a tanta alegria festiva e toda a empolgação, o rapaz convenceu o governador de que a sua fazenda sozinha seria capaz de produzir lenha o suficiente para suprir toda a demanda da população do Estado durante o rigoroso inverno que estaria por vir. O governador preocupado com este assunto pediu que o seu advogado elaborasse uma minuta de contrato naquele exato momento, garantindo assim a compra de toda a lenha que a fazenda viria a produzir.
Passado o êxtase do momento, o rapaz correu para anunciar aos seus empregados a sua conquista e o seu compromisso com o governador, os lenhadores não reagiram com entusiasmo, pelo contrário, ficaram alheios a informação, pois para eles significaria mais trabalho em troca de ganhos inexpressivos, apesar do jovem fazendeiro prometer bonificações individuais.
O tempo foi passando e o rendimento dos lenhadores não melhorava, por mais que o jovem fazendeiro tentasse estimulá-los, seus empregados diziam que já estavam fazendo o melhor que podiam.
Para o jovem fazendeiro, estava nítido que o acordo com o governador seria impossível de ser cumprido, tentou contratar novos lenhadores, contudo mais funcionários só trouxeram mais confusão e procrastinação. Orgulhoso, evitava o seu pai e as sugestões dele, pois para ele, um homem formado, deveria ter mais conhecimento do que um velho e ignorante lenhador; entretanto, sem mais nenhuma esperança de melhora e com medo da retaliação do governador por não cumprir com o prazo, ele recorreu ao seu pai, que já havia sido o melhor lenhador de todo o país.
Sem rancor no coração e, por amor ao filho, o velho lenhador se prontificou a ajuda-lo; mesmo sem a força e a energia do passado começou a se levantar cedo e ir ao serviço no mesmo horário dos outros lenhadores, esses ficaram desajeitados por ter um ancião trabalhando junto deles e rendendo tanto quanto.
A cada dia o velho lenhador conversava individualmente com os outros lenhadores, o mesmo assunto, mas de maneira específica para cada qual, ele era respeitado, sabiam de sua importância no trabalho e da sabedoria que carregava, eles ouviam o velho atenciosamente.
- Sabe você – dizia o velho lenhador – meu filho me disse que você era o melhor de todos os lenhadores, mas caiu de produção, não vejo isso, com todo respeito, não consigo enxergar empenho, força de vontade e nem dedicação para você seja o melhor, aquele outro ali, está vendo?
Ele pode não ser tão forte como você, também não é tão talentoso, contudo, rende muito mais e no final é isso que importa, não é apenas parecer ser bom, tem que ser bom e são os resultados que dirão quem é bom.
O mesmo discurso para cada lenhador, a mesma fala de desdenho, a mesma lição oculta, o mesmo toque no ego, mostrando a cada um que o outro rendia mais – Além do mais, meu filho vai pagar o dobro para o mais eficiente e também será promovido a líder dos lenhadores – continuo o senhor lenhador; essa conversa aguçou o espírito competitivo entre os rapazes, os trabalhadores passaram a se dedicar mais e mais, acordavam cedo, dormiam tarde, realmente entregaram o melhor de si; o resultado foi alcançado, nos dias seguintes o velho nem precisou cortar uma madeira sequer, apenas observava orgulhoso, “meus rapazes” ele dizia, a lenha obtida foi mais que o suficiente para atender toda a demanda da população do estado durante o outono e inverno.
O governador chamou o jovem fazendeiro para uma festa no palacete estadual, celebraram com muito vinho e alegria, o rapaz ainda ganhou um valor extra em dinheiro, prêmio esse que dividiu com os lenhadores, promoveu um discurso caloroso aos mesmos e saudou com entusiasmo ao seu pai; chamou o velho de canto e o questionou com brilho nos olhos e sorriso na face – Pai, como conseguiu melhorar drasticamente o rendimento desses homens?
O velho colocou a mão no ombro de seu filho, fitou os olhos dele e respondeu – Meu filho, de lenha e lenhadores eu entendo, pois já fui o melhor deles.
Nota: Aquele que tem mais acesso às informações, maior capacidade de transformá-las em conhecimento e maior facilidade de comunicação tem por responsabilidade, por obrigação moral ajudar os leigos, orientar de modo racional aqueles que ainda padecem na ignorância, deve ser à eles um norte de sabedoria e assim proporcioná-los a verdadeira liberdade, a liberdade do pensamento crítico e, jamais usar de seu conhecimento para cessar a liberdade alheia, para confundir, para impedir que outros formem pensamentos críticos sobre quaisquer assuntos, pois, se isso você fizer, você estará se transformando num tirano, se afastando da sabedoria e abrindo as portas da sua própria ignorância.